TURMA DE 72 - Espaço Literário


O Motivo

Roberto Ramalho

Campos do Jordão, 23 de setembro de 1997

Guarda Imperial/Sentinelas do Alemão's:

( Como vão as coisas na redação extra-oficial?. O gringo já
mandou lavar o pé sujo depois que viajei? Tavares ainda no
batente? Aquele não adere mais ao IBM. Quando saí de
"férias" os homens tinham comprado um maquinão complicado -
funciona?)

Como sempre pedindo desculpas pelo estilo viciado. Devia ser
uma coisa mais afetiva, e bem que gosto um bocado de vocês,
mas já perdi a leveza da mão para essas firulas de carta.
São trinta e tantos invernos narrando crimes, sacaram? No
mesmo ritmo do que foi, quem foi, quando foi, onde foi, etc.
Leiam reportagem mas pensem carta, de acordo? A gente aqui
escreve quando pode e ainda tem os torpedos -comprimidos -
da noite. Nessa espelunca dormir vira vício, dormir, dormir,
dormir. 20

Bem, vamos lá. O assunto é aquela barbaridade que abalou a
Globo em 92. Vocês sacam muito bem que mesmo após a
condenação do rapaz, o tal de Guilherme, a opinião publica
nunca engoliu os motivos do crime apresentados no processo.
Versões desencontradas, especulações, palpites, eis o que
chegou a mídia, mas nada comprovado, no duro, quanto à razão
que levou o ator a tirar a vida da menina Daniela. Entre os
artistas circulava uma fantasia -aquela história de
sacrifício humano - a atriz teria sido despachada em um
ritual de magia negra, etc. e tal. As circunstâncias do
crime - noite de segunda feira, lua cheia, corpo encontrado
perto de uma arvore seca, etc, teriam levado os mais
imaginosos a esse tipo de conclusão. A lei prefere optar
pela coisa de crime passional, por causa dos ciúmes da
Paula, enfim, vocês conhecem o caso.

Pois bem, todas essas resenhas caíram por terra quando
elementos ligados a cúpula do governo tiveram acesso a um
documento secreto. E em que permanecia secreto ate há poucos
dias. O teor do documento, no entanto, está prestes a ser
divulgado pelo pessoal da Isto É. Alguns novatos tiveram
acesso ao dossiê por acaso. A revista pretende torná-lo
público na edição da próxima semana, mas enfrenta pressões
contrárias de setores ligados ao Ministério da Justiça. Os
homens dizem que preferem aguardar mais um pouco, até que se
articule a prisão dos demais culpados, ou melhor, dos
"colarinhos" envolvidos. Gente graúda, e como. Pelo menos
foi o motivo alegado pelos caras para criar caso com a
revista. Amigos, fui despertado hoje por volta das sete e
meia por um telefonema de um antigo chegado, Eduardo Lima, a
quem não via há muitos anos. Foi meu vizinho no Meier e
atualmente batalha na editoração da I.É. Eduardo me contou o
babado e me deixou boquiaberto, até agora sem querer
acreditar. Mas é um cara sério, nem um pouco chegado a
trotes, tanto que aos trinta e quatro já ocupa uma mesa
atrás do chefão da Três. Puxem uma cadeira e leiam sentados,
pois vocês vão ficar espantados. Mas não vão dar furo no
jornal, porque é coisa de cachorro grande.

Paula Thomaz é inocente, eis a primeira informação que
consta do documento. Guilherme de Pádua agiu em cumplicidade
com um matador profissional, um norte-americano de 32 anos.
Um tal de Edgard Eisenberg Kramer, foragido da justiça do
estado do Maine, onde cumpria pena de prisão perpétua.
Kramer, falecido recentemente em acidente de carro na
França, usava cabelos compridos na época do crime, e seria a
"mulher" avistada dentro do carro do ator pela principal
testemunha do processo, o tal advogado. Paula teria sido
envolvida por equívoco e até hoje não conhece a verdade.
Pelo que se deduz, ela somente teria concordado em assumir
parte da culpa para tentar atenuar a cana do namorado, uma
vez que era apaixonada pelo ator. Mesmo assim, jamais foi
informada do motivo pelo qual Guilherme matou a moça.

A segunda informação, na qual se demonstra com fartas provas
o motivo do crime, teria deixado boquiabertos os poucos
políticos e alguns ministros que tiveram acesso ao
documento. Guilherme de Pádua não tinha razão alguma para
matar sua colega, e somente o fez porque recebeu uma
proposta tentadora - nada menos de dois milhões de dólares,
para cometer o assassinato. O dinheiro permanece depositado
em uma conta em nome dele, no Banco Southerland Financial,
na Suíça.

Guilherme teria sido contatado quatro dias antes do crime
por um radialista pernambucano, Adelvaci Prates, atualmente
cumprindo pena por estelionato no Rio Grande do Norte. O
sacana serviu de intermediário e fez a proposta, oferecendo
de imediato um sinal de 50 mil dólares, para que Guilherme
atraísse a atriz para uma cilada no dia combinado. A escolha
de Guilherme havia sido definida por dois motivos: a
proximidade e intimidade com a atriz, pois gozava de ótimo
relacionamento com ela, e pelo fato de estar sériamente
endividado na época, devido ao vicio do carteado, que lhe
havia consumido todo o patrimônio. Guilherme sofria ameaças
de morte de profissionais ligados ao jogo, tendo sido mesmo
espancado dois meses antes ao chegar em casa, por três
desconhecidos.

Daniela Perez foi convidada pelo ator, no dia do crime, tal
como o combinado entre ele e seus contratantes, para um
"bate-papo" em uma churrascaria na Barra, tendo declinado do
convite por estar comprometida à noite com o aniversario de
uma sobrinha. Diante da recusa, os dois homens (Kramer
permanecia oculto no carro do ator), optaram por seguí-la e
abordá-la a força, cortando-lhe o carro e arrastando-a
violentamente para dentro do Santana de Guilherme, próximo a
um posto de gasolina.

Consumado o crime, Kramer teria embarcado na mesma noite em
um vôo da Lufthansa para Bruxelas, onde vivia com identidade
falsa, enquanto no Rio de Janeiro o ator tentava aparentar
surpresa com o acontecido, tendo mesmo se dirigido à casa da
atriz para prestar solidariedade a seus familiares.

A rápida descoberta da autoria e o pronto encarceramento do
ator adiaram-lhe os planos de fuga para o exterior.
Guilherme pretendia encerrar sua participação na novela nos
próximos dias, quando alegaria aos diretores da mesma "falta
de condições psicológicas". Em seguida viajaria para a
Alemanha, onde pretendia viver pelos próximos meses, gozando
da fortuna que já repousava em uma conta bancaria aberta
pelos mandantes. Um apartamento alugado em seu nome pelos
cúmplices, na cidade de Dusseldof, seria sua residência
provisória, ate que resolvesse o que fazer da vida.

A rede montada para cometer o crime faz jus ao enredo dos
melhores filmes de espionagem. Daniella Perez foi
assassinada a soldo de banqueiros argentinos e belgas, em
cumplicidade com empresários paulistas do setor de
mineração, que seriam enormemente prejudicados em suas
operações de contrabando de diamantes, caso o impeachment
fosse consumado. Funcionários do alto escalão de Collor
tinham participação direta no trambique, pois a eles cabia
tomarem as providencias para viabilizar a passagem dos
diamantes em território brasileiro. Os diamantes vinham da
África do Sul e eram desembarcados no porto de Santos, sendo
depois repatriados em um aeroporto clandestino do Paraná,
rumo a Argentina, Chile e alguns países do Caribe. Em
seguida eram enviados para a Bélgica, devidamente lapidados
e acobertados por documentos falsos. A estratégia dos
assassinos era abalar o poderio da Rede Globo, principal
opositora de Collor, e para isso resolveram eliminar a
estrela da novela das oito, a atração principal da emissora,
e que, por uma infeliz circunstancia, acumulava o ônus de
ser filha da autora da novela. Daniella havia se
transformado em um alvo perfeito para o atentado.

A segunda parte do plano jamais foi posta em prática, devido
à descoberta (parcial) da autoria do crime, com a prisão, na
mesma noite, do ator Guilherme de Pádua. Os banqueiros
pretendiam, caso tudo corresse como planejavam, perpetrar na
mesma noite um segundo atentado contra a Globo, cujo
proprietário Roberto Marinho seria chantageado em seguida
para usar sua influencia e conseguir o adiamento da votação
do impeachment, marcada para o dia seguinte. Um esquema
inacreditável de sabotagem estava preparado para levar a
cabo a explosão das torres transmissoras da Globo no Rio de
Janeiro nas primeiras horas da madrugada, algumas horas
antes da abertura do processo de votação, em Brasília. Com
isso os banqueiros pretendiam protelar por alguns meses a
votação do impeachement, enquanto providenciavam o suborno
de centenas de deputados que se declaravam publicamente
favoráveis a deposição de Collor.

O dossiê encontra-se guardado em um cofre do MJ em Brasília,
e veio ao conhecimento da I.É devido à inconfidência de um
deputado do PT paulista, que revelou seu conteúdo a uma
repórter da revista, Clara Pacheco, com quem mantém
relacionamento amoroso há alguns meses.

Diz o Duda Lima que a coisa na redação está um caos, com os
bacanas falando o dia inteiro ao telefone com Brasília, ao
mesmo tempo que fazem contas e mais contas, pois acham que
com a bomba saem finalmente do vermelho. Eu por mim acho que
vai dar pique de edição mesmo.

Turma velha, mudando de assunto, digam ao Gerson para perder
um tempinho com esse veterano caído, porra, sinto falta
dele. Aliás, sinto falta de vocês todos, não é só do Gerson
não. Quanto ao líquido, aqui não se toca no assunto. Tem uma
polaca aqui bonita pra cacete, mas a danada é escolada e não
deixa de fazer a revista completa, no esquema. Miniatura de
Royal Label é só no cinema. Aqui eles reviram até pensamento
quando pressentem cheiro de pinga. Já entrei na fase do
"fechar os olhos", quer dizer, fecho os olhos e não penso
mais na marvada. Mas tem uns caras aqui, sei não, que já
chegaram tarde. Tem um galego que dana a chorar quando vê
anúncio de cerveja. Ah, sim, os tremeliques sossegaram um
pouco. Vai se levando, vai se levando, que fazer? Não vou
frequentar porra de AA. nenhum quando sair daqui. Deve ser
muito chato aquela falação toda, que aliás só vai me deixar
afissurado. Renato, está lendo também ou já saiu com a
Ritinha? E a Selma? Donato deu conta dela ou errou na mão da
cantada? Quando deixei vocês a cidadela estava cai não cai.

Pensem em mim nas horas alegres. Nas horas tristes não. - e
tem tristeza nessa zona aí?

Abraços
Ruizão.

Ficção.

copyright 1998 - Roberto Ramalho


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