TURMA DE 72 - Espaço Literário


Avião Não é Foguete.

Grandes amigos da turma. Fiquei pensando nos perigos pelos
quais passei, e, se recordar e viver; neste tipo de
recordação é sofrer. Foram momentos tão perigosos, que a
sorte realmente esteve do meu lado. Lembrei-me de um dia em
que, estando em curso em Fortaleza, portanto sob rigorosa
avaliação, parti para um voo de elemento, isto é; dois
aviões à jato em vôo de formação. O líder era um aluno que
ia sentado no assento dianteiro de um Xavante. Era do
segundo ano, e fazia o curso de liderança de caça. O
instrutor ia com ele no assento traseiro. Decolei mantendo
rigorosamente a posição de ala, bem ao lado dele; executando
todos os procedimentos simultaneamente aos dele, para nao
atrasar na posição, como tirada do avião do solo,
recolhimento do trem de pouso e flaps, entrada em curvas,
tudo simultaneamente, bem juntinhos . Estava tranquilo,
aquele tipo de vôo não era de alto grau de dificuldade. Era
apenas um vôo onde seriam realizadas manobras básicas de vôo
de formatura; que eu já estava acostumado . Subimos
suavemente para a área de instrução; pela praia do Futuro,
contornando a ponta, onde ficava o cais do porto, seguindo
paralelamente à praia de Iracema. A missão ocorreria sobre o
mar. Realizamos algumas evoluções e derepente notei que o
instrutor comandou uma "cobrinha"; manobra em que eu tinha
que manter uma distância de uns cem metros dele, e, deveria
esforçar-me para fazer tudo o que ele fizesse, mantendo a
distância. Tinha que realizar cortes por dentro das curvas,
para me aproximar, caso houvesse algum atraso, e, outros
"macetes" como ir até onde o avião dele havia ido, para que
nao me aproximasse. Quem deveria estar na pilotagem era o
aluno, e, estranhei ter partido do instrutor o comandamento
da "cobrinha"; agora era ele quem assumira a pilotagem;
pensei: "Vem chumbo grosso por aí". Eu conhecia o "Chefe
Hugo", como era chamado o instrutor; ele tinha fama de
entregar bombas à domicílio, muito baixo, quase tocando o
solo. Era um piloto arrojadíssimo, e, iria tentar fazer com
que eu errasse, de modo a ultrapassá-lo, ficando bem na sua
frente; o que num combate aéreo real, seria fatal. Mas eu
também era meio "suicida" e jamais permitiria que isso
acontecesse; passar por essa vergonha, jamais. Ele começou a
fazer uma "cobrinha" bem puxada, com "loopings", "touneaux"
e tudo o que tinha direito no espaço. Minha mão já estava
dormente de tanto que eu fazia força no manche para puxar,
empurrar, virar de um lado para o outro. Mantinha-o sempre à
minha frente. Concentradíssimo, atento e nada mais via senão
o avião dele. Com certeza era ele quem pilotava, porque o
vôo estava muito puxado e não era coisa de aluno. Ele estava
arrepiando mesmo e eu suando "pra cachorro"; meu capacete se
enterrava em minha cabeca, por causa da constante alta força
"G", de modo que tinha que fazer um esforço tremendo para
te-lo sempre à vista. Inesperadamente ele entra numa louca
manobra de subida chamada v0, (velocidade zero), que eu
pensei inicialmente ser um "looping". Ele apontou o nariz de
seu avião para o topo do céu e não modificava a atitude;
pensei: Ele ficou maluco! o motor não é de foguete! Eu
estava próximo, e, logo abaixo dele, apontando para tubeira
do motor dele. Nós dois apontando para o topo do céu. Não
tive coragem de olhar para dentro de meu avião e consultar o
velocímetro, não podia tirar os olhos dele jamais, mas sabia
que a nossa velocidade diminuia rapidamente. "Tudo o que
sobe, desce!" O motor não tinha potência suficiente para
manter a velocidade constante em subidas verticais. O avião
dele ameaçou cair para a direita e eu logo sai debaixo
escorregando para a esquerda com o auxílio do pedal
esquerdo, que comanda o leme direcional. Apontei para a asa
esquerda dele; a nossa velocidade estava caindo a zero e ele
bem em cima de mim; não sei o que ele fez, mas mudou de
idéia e resolveu cair para a esquerda também, meu Deus! bem
em cima de mim! vi aquele monstro de tres toneladas caindo .
Meu avião não obedecia mais aos comandos devido à baixíssima
velocidade; o avião dele crescia bem na minha frente
assustadoramente. Ia bater bem no "nariz" de meu avião; que
situação! eu puxei todo o manche para tráz, "colando-o na
minha barriga" e mostrei o "papo" para ele; perdi-o de vista
e imediatamente pressionei o botão do microfone, falando:
"Vai bater!!" Eu tinha pouco tempo para decidir; cheguei a
segurar o punho de ejeção. "Ejeto ou não ejeto?... E se não
bater?... vou esperar; aguardarei a batida?" Foram segundos
conflitantes, cruciais e de grande espectativa, nos quais eu
esperava uma batida certa. Ele estava caindo exatamente na
minha direção. Bem acima de mim. Estávamos muito próximos e
nada poderia ser feito naquela velocidade tão baixa. Resolvi
esperar os resultados já que a velocidade era baixa e os
estragos poderiam ser pequenos; mas suficientes para
danificarem o meu assento ejetável; eu era "suicida" mesmo!
Derepente, uma surpresa. O avião dele passava pelo meu lado
esquerdo, em "verdadeira grandeza", "suvaco com suvaco"
entrelaçados; pude ver o tamanho dos olhos do aluno, que
usava uma viseira transparente de seu capacete. Grandes;
arregalados; quase saltando das órbitas . "Enfiei" o pé
esquerdo e dei uma guinada para cima deles, e, meu avião
caiu também atrás deles. "Esse osso eu não largo". "Onde
está voce Glauco?" Perguntou o "Chefe Hugo" preocupado
comigo. "Estou Bem as suas _seis horas_." Apontavámos agora
para o mar, numa descida vertical aumentando rapidamente a
nossa velocidade. Tendo nós retornado, e, passado o sufoco.
Já no solo. Estando eu ainda em meu avião, ja desligado, me
desamarrando; o "Chefe Hugo" veio falar comigo, perguntando:
"Está tudo bem?" E eu disse: "Está... estamos vivos, não é?"
Eu lhe perguntei: "Chefe Hugo"... como é que o senhor
conseguiu evitar a batida?" Ele me disse com um ar de
gostosão: "Eu estava te vendo o tempo todo pelo espelho..."
Eu me calei pensativo e meditando nas dificuldades dele em
me visualizar daquela posicao, me veio um "estalo": "O
piloto traseiro não tem retrovisores..." Ele estava
"blefando" e na realidade não batemos por pura sorte mesmo.

72/284 Férius


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